domingo, 27 de novembro de 2016

Boletim de encontro #2

No dia 19 de outubro, novamente nos reunimos na Livraria Café Cultura para realizarmos o II Encontro do Clube do Livro. Desta vez o tema foi a obra Hibisco Roxo, da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie.

No livro é narrada, em primeira pessoa, a história de Kambili, uma adolescente de 15 anos. Ela mora em Enugu com seu irmão, Jaja; sua mãe, Beatrice; e seu pai, Eugene, este quem desempenha um papel antagonista no enredo. Papa, como é chamado por Kambili, é um homem rico, influente, líder de comunidade e católico radical. Apesar de todo o trabalho social que realiza como um bom cristão, em casa é irracionalmente agressivo com sua família, castigando-os por todo pecado que cometam.

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Entretanto, embora Eugene comporte-se desse modo, Kambili sente um desesperado desejo de aceitação por ele, o que nos remete à própria Anne Frank, personagem do encontro anterior. Como Anne, Kambili nutre forte amor pelo pai, que a faz sempre pensar no que poderia dizer ou fazer para deixá-lo feliz e receber dele um elogio, tal quais os trechos abaixo:

- O Standard jamais publicaria uma bobagem dessas – disse Papa, largando o jornal. - Sem falar que eles chamaram esse homem de “presidente”.
- “Presidente” seria se ele tivesse sido eleito – disse Jaja. “Chefe de Estado” é o termo correto.
Papa sorriu e eu lamentei não ter dito isso antes de Jaja. (pos. 344).

Eu queria deixar Papa orgulhoso e tirar notas tão boas quanto as dele. Precisava que ele tocasse minha nuca e afirmasse que eu estava realizando o propósito de Deus.
Precisava que ele me abraçasse com força e dissesse que muito é esperado daqueles que muito recebem. Precisava que ele sorrisse, daquele jeito que iluminava seu rosto e aquecia algo dentro de mim. (pos. 505).

Esse foi um dos tópicos de discussão dessa quarta-feira. Mas houve muitos outros, mais do que o tempo nos permitira abordar. Aliás, isso parece ser uma característica da escritora, Chimamanda, conseguir levantar tantos objetos de reflexão com uma  história. Poderíamos, por exemplo, ter discutido sobre a influência da cultura ocidental na população através da língua e da religião, exercida principalmente pelo colonizador britânico com o inglês e o cristianismo. Ou, então, termos nos aprofundado sobre a violência doméstica e a personagem trágica de Eugene. Ou, até mesmo, termos analisado a forma como a autora salpicou com gosto palavras em igbo (dialeto da etnia homônima, uma das maiores na Nigéria) e refletir sobre a subalternidade de Gayatri Spivak. No fim, nos limitamos a discutir o seguinte: os três pares temáticos antitéticos na obra.

1. Voz e silêncio – na casa de Kambili prevalece o silêncio. Ade Coker, editor do jornal de Eugene, Standard, diz certa vez em visita à sua casa: “Eles são muito quietinhos”, ao que Papa responde, “Não são como essas crianças de hoje em dia, sem educação e sem temor a Deus” (pos. 768). Quando falam, é para dizer como foi o dia na escola ou para ler trechos da Bíblia e rezar – não conversam, nem mesmo Kambili e o irmão; apenas trocam algumas palavras. Já na casa de Tia Ifeoma, irmã do pai, todos são livres para falar, todos têm voz. Lá, todos podem dizer o que estão pensando, sem temer castigos; podem fazer perguntas e rir com liberdade: “Ela ria com tanta facilidade, com tanta frequência. Todos riam, até o pequeno Chima” (pos. 1168). No fim, este é um tema que fecha a história: “Ainda há muito que não dizemos com nossas vozes, que não transformamos em palavras” (pos. 4071). Vêmos que a voz é expressão da liberdade e criticidade, e o silêncio, da repressão e da alienação.

2. Verdade e pecado – essa oposição persiste do início ao fim da obra. O que é verdade e o que é pecado? É verdade a palavra de Deus descrita na Bíblia falada pelo padre da igreja de Eugene ou a pelo padre da de Ifeoma? É verdade o que o Standard diz, mas não o que os demais noticiam? Ifeoma, conversando com Beatrice, disse: “Sabe por que Eugene não se dava bem com Ifediora? [...] Por que Ifediora disse na cara dele o que achava. Ifediora não tinha medo de falar a verdade. Mas você sabe que Eugene briga com as verdades das quais ele não gosta” (pos. 1307). Para Eugene, o que não era verdade era pecado ou algo próximo a isso.

3. Família e sociedade – é díspar pensar como Eugene se comporta diante da família e perante a sociedade. Ele é ao mesmo tempo santo e cruel. Para Eugene, a família é uma instituição que deve ser imaculada para refletir boa influência à sociedade. Contudo, por meio de Ifeoma percebemos que a sociedade é profana, parte corrompida pelos regimes tiranos que dominam o país, parte pela própria condição da maioria pagã. Na própria comunidade de Eugene, na cidade de seu pai, o respeito a ele e à sua família é estabelecido por causa do dinheiro, do suporte oferecido por ele ao povo da região.

Participe você também das discussões nos comentários e compartilhe conosco sua experiência de leitura. Até o próximo encontro!



A Maria Fernanda foi de novo a ganhadora do nosso sorteio! KKK




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